Caro leitor,
Daqui a exatamente duas horas farei o mais importante treino
da vida. Redijo pois este texto às pressas, de qualquer jeito, direto no Chrome
- sem corretor, sem nada. Preciso escrever antes da corrida justamente porque
não sei como ela será. Quero muito deixar registrado nesse diário aberto o
treino de hoje, porque é um acontecimento que poderia não ter ocorrido se eu
tivesse tomado outro caminho na vida, se tivesse feito outras escolhas.
Eu corro desde a segunda edição da Volta da Pampulha e já
tive anos bons e anos ruins. O ano de 2010 foi especialmente difícil. Minha
vida estava complicada e eu quase abandonei as ruas por conta de trezentos e
quinze problemas empresariais, emocionais, trabalhacionais, sexuais, familiais
e tudo o mais.
Mas eu não desisti.
Fui assim como o maratonista que chega ao trigésimo
quilômetro e, mesmo sem ter fôlego pra mais nada, mesmo sem ter nada nem
ninguém pra se apoiar, mesmo com o corpo todo alquebrado, ainda encontra forças
dentro dele mesmo pra se reinventar na
corrida e continuar pisando o asfalto quente, um pé depois do outro. Assim fui
eu. Treinava com frio, treinava com medo, treinava com raiva, com dor na perna,
no cotovelo, na cabeça, no coração. Mas continuei treinando. Quando reparei, o
meu trigésimo quilômetro já havia ficado lá pra trás, e pude seguir de forma
mais suave. E foi ficando mais e mais suave. Porque eu me reinventei.
Decidi que seria assim. E foi assim que foi (que se dane a
repetição de 'foi'). No meio do segundo semestre daquele 2010, eu gostava de
correr de novo. Treinei muito, me esforcei muito, e voltei às provas de rua e
às provas da vida.
Depois disso, corri um montão de provas de rua, em um monte
de lugares. Corri na chuva, no sol rachando. Corri no calor, no frio. De dia,
de noite. Quase sempre sozinho. Sempre adorando correr!
O tempo passou e daqui a pouco eu vou pra rua de novo. Tô
tão ansioso que nem trabalhar mais eu tô conseguindo (dá pra perceber, né?
Afinal ainda são 17 horas e eu tô aqui, escrevendo esse texto ao invés de
ralar... Espero que ninguém da empresa leia esse blog). É que, pela primeira
vez na vida, terei a honra (sim, 'honra'. Poucos pais têm esse privilégio) e a
alegria de correr mais de 10 km com minha filha. Não tô escrevendo esse texto
pra rasgar a seda pro lado dela (até pq ela só vai ler isso beeeem depois da
corrida). Tô escrevendo pq quero registrar essa adrenalina que está no meu corpo
agora, me fazendo suar enquanto digito.
Só quem corre sabe como é estranho você simplesmente TER que
concluir uma coisa só porque se propôs a fazer. Por isto, penso que só quem
corre entenderá o que me faz suar agora.
A Luíza está treinando pra fazer a Volta da Pampulha desse
ano. Hoje será a primeira vez que ela superará a distância de 10km (correremos
12, se Deus quiser e minha patinha não doer muito!).
Há alguns anos atrás, eu jamais imaginaria que isso seria
possível. Minha relação com ela era hiper-superficial, eu era o pai bravo, o
que quer educar, mas não sabe como. O que quer corrigir, mas só consegue com bronca, com discussão. Isso funcionou comigo, mas estava dando muito errado com ela. E com
o resto da família também.
Não sei como aconteceu, mas tudo mudou. E daqui a pouco terei o
privilégio de passar uma hora e dez minutos conversando com a minha filha sobre
tudo e sobre nada. Mostrando pra ela a paisagem bonita da lagoa à noite, os
lugares onde já corri (vamos pro lado dos ricos e famosos) sozinho tantas e tantas
vezes, sem ter ninguém pra compartilhar a paisagem. Mostrando pra ela um pouco
de mim.
O certo é que eu tô igual noiva no dia do casamento. Com
medo do vestido não servir, com medo de chover, do noivo não aparecer, do tênis
ficar apertado (sim, comprei um tênis novo! Amarelo!!! - e antes que você
critique: paguei à vista, e com o MEU próprio dindin!)... Eu to
NERVOOOOOSSOOOOO!
#ProntoFalei!
Lembro-me de Quintana, que li sem querer ler. Da poesia que um dia abri por mero acaso. Que me destruiu, mas que me proporcionou a oportunidade de me reerguer:
"Eu nunca tinha reparado como é curioso um laço...
Uma fita dando voltas.
Enrosca-se, mas não se embola, vira, revira, circula e pronto: está dado o laço.
É assim que é o abraço: coração com coração, tudo isso cercado de braço.
É assim que é o laço: um abraço no presente, no cabelo, no vestido, em
Qualquer coisa onde o faço.
E quando puxo uma ponta, o que é que acontece? Vai escorregando...
Devagarzinho, desmancha, desfaz o abraço.
Solta o presente, o cabelo, fica solto no vestido.
E, na fita, que curioso, não faltou nem um pedaço.
Ah! Então, é assim o amor, a amizade.
Tudo que é sentimento. Como um pedaço de fita.
Enrosca, segura um pouquinho, mas pode se desfazer a qualquer hora,
Deixando livre as duas bandas do laço.
Por isso é que se diz: laço afetivo, laço de amizade.
E quando alguém briga, então se diz: romperam-se os laços.
E saem as duas partes, iguais meus pedaços de fita, sem perder nenhum pedaço.
Então o amor e a amizade são isso...
Não prendem, não escravizam, não apertam, não sufocam.
Porque quando vira nó, já deixou de ser um laço!!"
Agora eu vou. Vou correr atrás dela.
É nóis.
Um comentário:
Amei!! Conseguimos paps!! 12km!! 1:22h conversando sobre tudo, sobre nada
flsh backs passando até agora
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